sobre a liberdade de viver como quer em qualquer idade

eu sempre me preocupei com a velhice dos meus pais. eles são idosos, minha mãe aposentada, meu pai ainda trabalhando. sei que, em algum momento, eles terão dificuldades – mobilidade, compreensão – mas prefiro não pensar nisso no momento. até porque eles estão saudáveis, passeando, se divertindo, viajando, tendo uma vida independente de mim.

é o caso, de certa forma, de Teresa (Denise Weinberg, um espetáculo), uma idosa de 77 anos que trabalha, mora só, fofoca com as amigas e sonha em, um dia, viajar de avião. só que ela tem 77 anos, e no Brasil de “O Último Azul” (2025, Gabriel Mascaro), nessa idade, de acordo com uma determinação do governo federal, os idosos devem ser tirados de suas casas, de suas vidas – independente se estão vivendo de forma produtiva ou não – para morar na “Colônia” (e aparentemente, ninguém sabe onde é, se alguém tá vivo ainda…).

só que Teresa não quer isso. ela ainda quer realizar seus sonhos, e para isso, ela precisa burlar as leis (porque agora ela está sob a guarda da filha 🙃) e ir para outra cidade onde ela pode sair voando (de ultraleve, mas é a alternativa que ela encontrou). e é nesse processo que ela não apenas vai descobrir que esse sonho pode ser algo muito maior.

que a liberdade é mais do que apenas voar, e sim de viver como se deseja, sem prestar contas a ninguém. é viver esse estágio da vida da forma que se deseja, sozinho ou com as pessoas queridas, sem que outro o limite, o castre. e você observa essa libertação, essa sede de viver na evolução de Teresa durante o filme: os cabelos amarrados que ficam soltos, a mulher que nem bebia ou jogava se deixando levar pelos prazeres da aposta (aliás, a cena em questão do que é a aposta é uma das coisas mais lindas e mais tensas que eu vi no ano), a mulher solitária não se descobre mais sozinha.

“O Último Azul” é um filme lindo visualmente, com som impecável e a fotografia deslumbrante, mesclando a natureza com os cenários da urbanidade marginalizada das cidades onde se passa a história. parece se passar em um futuro, mas um futuro bizarramente possível (considerando a guinada conservadora neste país, consigo pensar em parlamentares considerando um projeto de lei do tipo), em que o valor de uma pessoa só é dado por causa da idade – quando Teresa e outros idosos que aparecem no filme estão plenamente vivos, querendo viver, com sede de viver.

grande filme, grande momento do cinema nacional, lindo filme.

⭐⭐⭐⭐⭐ ❤️

p.s: apesar de Rodrigo Santoro ser o primeiro nome nos créditos iniciais do do filme, ele aparece bem pouco em relação ao tempo da história – o personagem dele faz parte da jornada, mas quem você deve acompanhar é Denise Weinberg (meu deus, que atriz foda!)


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