a morte mais importante de vale tudo é da protagonista
vale tudo chega ao fim nesta sexta-feira (17/10) com a sensação de que a gente viu o estrago de um clássico em tempo real, feito com a arrogância de quem se considerava melhor do que quem escreveu a história original, a incapacidade de quem dirigiu e de quem escreveu em atualizar e tornar 2025 uma história que tinha espaço para ser moderna, atual, mas virou basicamente um shopping televisivo a céu aberto com fotografia chapada e ar de novela das 19h genérica.
deixando espacinho pra publi
entre as diversas mortes de vale tudo (incluindo a medíocre morte de odete roitman, considerando que somos a geração dos viciados em podcast de true crime), que incluem a morte do caráter politizado da trama de Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères; a morte das tramas bem pensadas da novela original, a morte da discussão sobre honestidade que poderia ganhar tantos contornos e complexidades considerando que agora, a trama se centraria em uma família negra; a descaracterização dos personagens que foram e daqueles que poderiam ser – a melhor atualização de 2025, maria de fátima influencer, foi emburrecida pelas vontades da adaptadora, quando ela poderia representar mais ainda do mundinho golpes que vemos todos os dias em nossas redes…
a pior morte é a da protagonista

quem matou raquel acioly foi quem esqueceu que a protagonista, o centro moral que puxa a discussão sobre honestidade, a balança da justiça contra odete, o campo pelo qual ansiávamos tanto em torcer e apresentar uma oportunidade de crescimento, de sucesso, pelo caminho honesto em comparação com os golpes e mentiras da filha, a representação do povo brasileiro esperançoso de dias melhores… esse centro foi afastado, colocado à margem, tendo suas tramas repassadas a outros, seu protagonismo apagado, sua essência tirada porque… por quê? não sabemos o que passa na cabeça de quem adaptou vale tudo.

raquel acioly é tão ícone quanto odete roitman. ela é tão relevante porque ela é a balança da justiça e da honestidade – e quando ela é enfraquecida, odete também se enfraquece. odete 2025 é uma vilã elitista que faz de tudo para conseguir o que quer porque deseja ficar longe do Brasil com seu novo namorado. vira meme, mas perde seu estofo. seu recheio. seu ponto de discussão.
se torna amada pelo cinismo do brasileiro, mas também por outros aspectos menos cínicos e mais crueis deste mesmo povo.
vale tudo podia ser mais do que “vende tudo”, uma novela em que a gente ria dela. podia ter seguido caminhos mais ricos e complexos, respeitado seu público. no fim, não importa muito saber quem matou odete – ou se ela realmente morreu, porque até mesmo essa solução é tão preguiçosa que…
deixando mais um espacinho pra publi
soluções preguiçosas indicam que o público não importa. ou que o texto tão rico, tão moderno e até atual – considerando as limitações de um Brasil ainda com censura em 1988 – não interessa a quem o adapta. o que interessa a quem o adapta é dizer que “mudou”, que “reconstruiu”, que “inovou”.
pois é, inovou tanto que a protagonista morreu antes do último capítulo – e até sabemos de quem é a culpa.
P.S.: para os 30 anos da Globo, a emissora fez um remake de Irmãos Coragem para o horário das 18h. bad move, além de ter reduzido os mais de 300 capítulos da original para mais de 150.
curiosamente, Irmãos Coragem foi escrita por UMA PESSOA SÓ – Janete Clair, a GOAT, enquanto a segunda versão teve três escritores, dois colaboradores e supervisão/atualização de Dias Gomes (viúvo da escritora e outro GOAT). E MESMO ASSIM NÃO DEU CERTO



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